Por Imprensa (quarta-feira, 9/05/2012)
Atualizado em 9 de maio de 2012
Ex-secretário da Fazenda do Governo de Divaldo Suruagy foi condenado a cinco anos, sete meses e 15 dias de reclusão em regime semi-aberto
A Justiça Federal em Alagoas (JFAL) condenou o ex-secretário da Fazenda do Governo de Divaldo Suruagy, José Pereira de Souza a 5 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão em regime semi-aberto e multa, além do ressarcimento aos cofres públicos pelo chamado “Escândalo dos Precatórios”, operação realizada em 1995 com a venda de Letras Financeira do Tesouro Financeiro do Estado de Alagoas (LFT/AL). Na sentença, o juiz federal titular da 3ª Vara, Paulo Machado Cordeiro condenou ainda o economista Marcos Vinícius Boa Ventura Guimarães a 9 anos e 7 meses, inicialmente em regime fechado, além de multa e ressarcimento solidário ao Estado de Alagoas. Foram condenados também os sócios, à época do Banco Divisa S/A.
Roberto Sampaio Corrêa, Genival de Almeida Santos Filho, Galdino de Farias Alvin Neto, Ricardo Theófilo Rossi e José de Vasconcelos Silva foram condenados a 4 anos, 1 mês e 15 dias de reclusão em regime semi-aberto, segundo o Art. 33 do Código Penal, mais multa além do ressarcimento do Tesouro Estadual, valores a serem calculados na fase de liquidação de sentença. O processo tramitou inicialmente na Justiça Federal do Rio de Janeiro, inclusive no TRF da referida região e no Supremo Tribunal Federal para depois chegar a JFAL. Não houve punição ao ex-governador Divaldo Suruagy por prescrição processual em função de ter mais de 70 anos.
Segundo o magistrado federal, a conduta dos réus José Pereira e Marcos Vinícius, consubstanciadas na apresentação de informações inverídicas e utilização de documentos falsos, tiveram o desígnio de obter a autorização para a emissão de Letras Financeiras do Tesouro do Estado de Alagoas que, mais tarde, beneficiariam construtoras, empreiteiras e bancos. “Mais de 60% dos títulos emitidos foram utilizados em pagamento de empréstimos bancários, taxas de sucesso e dívidas com empreiteiras”.
O juiz federal Paulo Cordeiro cita considerações finais do Banco Central ao ressaltar que todo o esquema gerou uma dívida para o Estado de Alagoas no valor histórico de R$ 300 milhões, chegando a um valor de R$ 475 milhões com os acréscimos do custo de remuneração dos títulos, correspondentes à taxa Selic. Conclui, ainda, que o total dos participantes do esquema, incluindo-se corretoras e demais pessoas que negociaram os títulos no mercado financeiro, apropriaram-se de recursos na ordem de R$ 52 milhões.
No ano de 1995, Alagoas vivenciava grave instabilidade econômico-financeira, evidenciada a partir do atraso da folha de pagamento, bem como de vultosos débitos pendentes em favor de bancos, empreiteiras e construtoras, que chegavam a R$ 650.000.000,00. A crise, como é notório, restou ainda mais agravada em decorrência dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal que autorizou a repetição do indébito concernente ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS do setor sucroalcooleiro, o que significou, para Alagoas, expressiva perda de arrecadação.
Diante desse quadro emergencial, o Estado de Alagoas, por conduto do então Governador Divaldo Suruagy, requereu ao Senado da República, após aval do Banco Central do Brasil, a emissão de títulos públicos consubstanciadas em Letras Financeiras do Tesouro do Estado de Alagoas com a finalidade de gerar recursos financeiros para pagamento de precatórios judiciais pendentes, à semelhança do que foi feito em outros Estados da Federação, como Pernambuco, Santa Catarina, e pelo Município de São Paulo/SP.
Falsificação de documento
Mas havia a proibição do art. 5º da Emenda Constitucional nº 3/93, para que fosse regular a emissão de títulos públicos, seria imprescindível que o Executivo disciplinasse a forma por que seriam pagos os débitos judiciais pendentes. A decisão governamental, contudo, apenas poderia ser tomada até 180 dias da promulgação da Carta Política, isto é, 5 de abril de 1989. Nesse interstício – da promulgação da CF/1988 e dos 180 que lhe seguiram –, eram, respectivamente, governador e vice-governador do Estado de Alagoas, o senador Fernando Afonso Collor de Mello e Moacy Lopes de Andrade.
Em ofício dirigido ao Banco Central do Brasil (BACEN), por intermédio do então governador Suruagy e do secretário da Fazenda, José Pereira, munidos da Lei Estadual nº 5.743/95 e do Decreto Estadual nº 36.804/95, foi solicitada autorização para a emissão de 301.623.440 LFTs. Os títulos, com data-base de 1º de novembro de 1995, teriam quatro vencimentos distintos: 1/6/1997, 1/6/1998, 1/6/1999 e 1/6/2000. Tais vencimentos regulados pela Portaria nº. 1928 A, com aparente assinatura de Fernando Collor.
No entanto, investigações realizadas pela CPI da Assembléia Legislativa de Alagoas concluíram que nem Fernando Collor nem Moacy de Andrade assinaram qualquer documento oficial disciplinando a forma de pagamento dos precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição Federal. Pretendendo confirmar a suspeita da falsificação da assinatura de Fernando Collor aposta à Portaria, a CPI da Assembléia Legislativa tentou fazer uma perícia grafológica. Tal diligência não pôde ser realizada em razão de ter sido extraviado o original da Portaria. O fato foi confirmado ainda em testemunhos de Fernando Collor e Moacy Andrade.
Não havia precatórios
Outra fraude demonstrada nos autos: “nenhum precatório judicial pendente na época da promulgação da Carta da República foi adimplido com recursos financeiros gerados pela comercialização dos títulos, na medida em que, entre dezembro de 1995 e maio de 1996, não foram quitados requisitórios de pagamento”.
“Relação de Precatórios Pendentes”, contendo uma relação de 32 usinas e destilarias de álcool, credoras de uma dívida de R$ 950.199.885, dos quais R$ 642.457.140,25 iriam ser adimplidos sob a forma de compensação, restando um saldo de R$ 301.623.440,00, montante correspondente ao pedido ao Banco Central do Brasil e ao Senado.
Está exaustivamente demonstrado nos autos que nenhum precatório judicial pendente na época da promulgação da Carta da República foi pago com recursos financeiros gerados pela comercialização dos títulos, pois entre dezembro de 1995 e maio de 1996, não foram quitados requisitórios de pagamento, conforme certidão do Tribunal de Justiça de Alagoas. A fase inicial da trama consistia elaborar cálculos que superestimavam o volume de precatórios pendentes de pagamento e, por consequência estabeleciam o montante da emissão a ser pleiteada. Era a “tecnologia de inflagem precatórios”.
O governador e o secretário da Fazenda apresentaram uma tabela intitulada “Relação de Precatórios Pendentes”, contendo lista de 32 usinas e destilarias de álcool, credoras de uma dívida de R$ 950.199.885,11, dos quais R$ 642.457.140,25 iriam ser pagos sob a forma de compensação, restando um saldo de R$ 301.623.440,00, montante correspondente ao pedido ao Banco Central do Brasil e ao Senado. Na prática, o governo aproveitou o chamado “Acordo dos Usineiros” firmado no governo anterior, em que o setor acumulava dívidas de ICMS com o Estado que deveriam ser saldadas por compensação.
Outra irregularidade foi o fato de o Banco Divisa ter sido contratado sem licitação para um contrato totalmente desnecessário do ponto de vista técnico. “A Secretaria de Fazenda de qualquer estado brasileiro possui funcionários com capacidade para elaborar uma emissão de títulos para Financiamento de precatórios, bastando para isto seguir os passos dados pelas prefeituras de pequenos municípios brasileiros”, apura a sentença.
Segundo o BACEN, na operação tipo “day trade”, foram concedidos altos deságios, que atingiram percentuais de 9,79% ao ano. Ao término da cadeia, os tomadores finais compravam os títulos com deságios bem menores, a maioria abaixo de 2% ao ano. O lucro percebido em decorrência do diferencial do deságio foi distribuído entre as instituições que fizeram parte da operação. O Estado de Alagoas experimentou um prejuízo de R$ 33.990.000,00. Os envolvidos possuíam poder de administração nas instituições financeiras que operavam, bem como conduziram as transações com os títulos públicos alagoanos, mediante operações na modalidade “day trade”.
Day Trad é a “operação de compra de determinado lote de títulos e sua venda simultânea, integral ou parcial, num mesmo dia. Essa operação foi amplamente utilizada pelos participantes do esquema descrito nesta comunicação, com a finalidade exclusiva de apropriação ou transferência de resultados. As cadeias de negociação ‘day trade’ foram denominadas, por membros da CPI dos títulos públicos, de cadeia da felicidade”.
Um edital de 15 de dezembro de 1995, publicado na Folha de São Paulo em 18 de dezembro de 1995, indicou que as ofertas para compra das Letras Financeiras poderiam ser feitas somente até o dia 19 de dezembro de 1995. Com efeito, a exiguidade do lapso temporal concedido para a aceitação de ofertas, meras 24 horas, bem como a ausência de concessão de deságios – já que o preço mínimo era idêntico ao nominal – foram decisivas para frustrar a venda dos títulos. Destinou-se a atender às formalidades contidas na mencionada resolução, e não propriamente a lograr êxito em atrair investidores.
“Ora, se o Estado de Alagoas não tinha tradição em colocar títulos públicos no mercado financeiro, sendo afirmado por todos os acusados que somente seriam recepcionados acaso concedidos altos deságios, não se justifica a tentativa de levar a efeito a oferta pública, tal como concretizada, senão se tendo consciência de que a tentativa seria infrutífera”, explica o juiz Paulo Cordeiro.
Segundo o relatório da CPI constituída no Senado Federal, o Estado de Alagoas teria utilizado cerca de 60% dos títulos emitidos em dação em pagamento de dívidas distintas de precatórios judiciais, notadamente para o pagamento de “taxas de sucesso”, dívidas com empreiteiras, empréstimos bancários e para garantia de empréstimo de antecipação de receita orçamentária. Ficou evidente a utilização de 39.186 Letras Financeiras como caução de empréstimos de Antecipação de Receita Orçamentária (ARO) contraído junto ao Banco BMC S/A, o que era desnecessário dado que o Estado de Alagoas já havia cedido quotas do Fundo de Participação dos Estados – FPE.
Em que pese decorrente de previsão contratual, existiu o adimplemento de “taxas de sucesso” em favor do Banco Divisa S/A, Mercado DTVM Ltda., Astra – Corretora Mercantil e de Futuros e Perfil CCTV Ltda. com Letras Financeiras do Tesouro do Estado de Alagoas, o que também vulnera, mais uma vez, a finalidade discriminada no art. 33 do ADCT e autorização do Senado Federal. As instituições financeiras receberam, juntas, 15.387 LFT/AL, em razão de um crédito no valor de R$ 18.158.785,13. A sentença ainda cabe recurso.
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