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Economia Política da Violência em Alagoas

Por Imprensa (sexta-feira, 28/02/2014)
Atualizado em 28 de fevereiro de 2014

* Por Fábio Guedes Gomes

“O sentimento de que as pessoas vivem com medo de serem assassinadas é um exagero muito grande. Existe situação terrível nas favelas, mas na cidade não há problemas, não tivemos problemas de segurança com turistas neste verão”.

No final do ano passado foi realizado o II Ciclo de Debates Panorama de Alagoas 2013 – Geografia, Sociedade e Violência, promovido pelo Laboratório de Estudos Sócio Espaciais do Nordeste do Instituto de Geografia, Desenvolvimento e Meio Ambiente [IGDEMA/UFAL].

Em uma da mesas que participamos discutiu-se “A violência Social e Econômica em Alagoas: o conflito entre o patrimonialismo e a modernidade”. Foram apresentadas ideias e alguns estudos sobre o tema da violência, com base nas estatísticas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e dados oficiais dos governos federal e estadual.

Mas o que nos chamou mais atenção com exceção daquilo que a sociedade inteira já conhece? O que pode ser apresentado de novo nessa discussão sobre a violência em Alagoas?

Primeiramente, é preciso apresentar alguns dados consolidados. Por exemplo, entre 2001 e 2011 o número de homicídios no Brasil cresceu 17%, no Nordeste 84% e em Alagoas 171%. De 2001 a 2006, a média anual de óbitos por homicídio no estado foi de 1.121, enquanto que entre 2007 e 2011 ela chegou a 1.990. A curva da violência indicada pelo número de homicídios se altera de forma significativa a partir de 2006. Deduz-se, então, que a explosão da violência no estado é um fenômeno novo, não sendo suficiente os argumentos que remontam à uma cultura de violência desde os tempos coloniais. Que isso seja verdade, mas tem pouca capacidade explicativa para o problema atual.

 De acordo com a Organização Mundial de Saúde [OMS], a taxa “tolerável” de homicídios por 100 mil habitantes é de 10. O estado de Alagoas tinha 29 homicídios/100 mil habitantes em 2001. Em 2011 apresentamos 72,2, enquanto o Brasil sai de 27,8 para 27,1 e o Nordeste de 21,9 para 36,3, respectivamente. Ou seja, um incremento de 146,5% para Alagoas, 66% para o Nordeste e apenas 2,4% para o país. É nesse contexto que Maceió é alçada à quinta cidade mais violenta do mundo e a primeira do Brasil, com uma taxa de 111,1 homicídios/100 mil habitantes.

 Outro aspecto que nos chama atenção é que violência está vitimando não apenas jovens entre 15 e 24 anos. Ela está disseminada entre todas as faixas de idade com exceção daquelas de 0 a 14 anos e com mais de 60 anos. Isso é um indicador que revela que apesar do tráfico de drogas e a introdução do crack no estado terem efeito devastadores e contribuírem para os índices de violência, eles não podem ser apontados como únicas razões da explosão dos homicídios.

No gráfico abaixo se evidencia que as maiores taxas de homicídios/100 mil habitantes se encontram nas faixas de idade entre 15 e 34 anos. Nesse universo, 90% dos crimes vitimam homens negros. Por sua vez, entre a população com mais de 35 e menos de 60 anos, as taxas são maiores que as dos três estados mais violentos depois de Alagoas, como Espírito Santo [47,4], Pará [42,7] e Paraíba [40]. Portanto, se excluirmos a população com menos de 15 anos [910.361 habitantes, de acordo com o último censo do IBGE] e com mais de 60 anos [276.763], quase dois terços da sociedade alagoana se encontram em extraordinária condição de vulnerabilidade diante da escalada da violência no estado.

 Na capital alagoana a taxa de homicídios/100 mil habitantes entre os jovens alcançou o intolerável e inaceitável nível de 215,1, em 2011 [último dado consolidado]. Entre 2001 e 2006 a média se encontrava na casa de 87 homicídios/100 mil habitantes; entre 2007 e 2011 ela praticamente dobrou para 160 homicídios/100 mil habitantes. Ou seja, estamos num processo de intensa dizimação de jovens entre 15 e 34 anos no estado, uma faixa de idade com elevado potencial criativo e de capacidade de trabalho.

Outro elemento que importa: conforme a Organização das Nações Unidas [ONU] a relação adequada do efetivo é de 1 policial para cada 250 habitantes. Apesar da constatação de que temos um efetivo muito reduzido e que não ocorreu reposição adequada de homens em anos recentes, essa relação em Alagoas é de 1 policial para cada 343 habitantes [somando policiais civis e militares], de acordo com os dados do Anuário de Brasileiro de Segurança Pública 2013. Essa situação é muito mais favorável que a média nordestina [431] e compatível com a de estados como Paraíba [335], Sergipe [341], Pernambuco [366] e Bahia [381]. Paradoxalmente, nesses estados a violência não chegou a níveis extremos aos verificados por aqui.

Em Pernambuco, por exemplo, as taxas de homicídios, na década de 1990, eram absurdamente elevadas em termos absolutos e relativos. Nos últimos anos elas foram estabilizadas. Então, o problema não é apenas de efetivo policial, apesar da importância de lutarmos para alcançar a relação adequada apontada pela ONU. Ou será também problema de gestão?

No domingo, dia 23/02, a Globo News exibiu o programa de Fernando Gabeira com reportagem sobre a violência em Maceió. Entre os entrevistados, policiais civis, militares, moradores e o vice-governador do estado, José Thomas Nôno. A principal linha explicativa foi o crescimento do consumo de crack no estado. Entretanto, outros elementos não passaram despercebidos. A estagnação econômica do estado foi um dos argumentos, juntamente com a forte exclusão social. Parece que esses são dois ingredientes muito fortes, mas pouco explorados até agora no debate sobre o problema.

Em artigos já publicados nesse espaço, e divulgados pelo Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, defendemos a tese que a economia alagoana nos últimos vinte anos, pelo menos, passa por um quadro de involução econômica relativa Isto quer dizer que ao avaliarmos o seu desempenho em termos de crescimento da riqueza per capita comparando-o com outros estados nordestinos, ficamos para trás. E esse movimento não se reverteu no período mais recente.

Portanto, tem razão o vice-governador quando em seu depoimento ao programa da Globo News colocou, literalmente, que “Alagoas é um estado fraco economicamente, com um processo de distribuição fundiária equivocado […] esse estado também estagnou economicamente, passou vinte e tantos anos sem atrair uma empresa nova, sem gerar empregos, então nós definhamos economicamente de uma maneira muito acelerada e distorcemos socialmente na razão direta desse definhar […] esse clima de estagnação econômica que vigorou durante certo tempo é um caldo de cultura extraordinário para as drogas e tudo de ruim que ela traz”.

A exclusão econômica e social nas zonas rurais e o pífio desempenho no setor industrial, agravado ainda mais pelos problemas que tem enfrentado o setor sucroalcooleiro, transformaram a economia alagoana em um vagão descarrilhado da dinâmica recente do Nordeste. Assim, as falas no programa de Fernando Gabeira vinculam, acertadamente, a insuficiente capacidade de geração de emprego e renda no estado, a exclusão social elevada e o tráfico de drogas como um mix explosivo que promoveu a escalada da violência em nossa sociedade.

Esse mix se defrontou com uma situação muito precária das finanças públicas do Estado alagoano na promoção de políticas de resgate da cidadania em áreas como educação, saúde e a própria segurança pública. As possibilidades de investimentos são muito parcas, em razão, principalmente da limitada capacidade de arrecadação própria e o elevado peso dos encargos financeiros da dívida pública com o governo federal [Lei 9496/97].

Nesse contexto, o governo federal teve que colaborar com 200 milhões de reais mais os homens da força nacional. O efeito foi imediato e o número de homicídios doloso diminuiu 21% de 2011 para 2012, a despeito do crescimento de 142% nos latrocínios no período. Como as causas não são combatidas, os índices voltaram a crescer em 2013 e início de 2014.

Em suma, em um ambiente com limitadas possibilidades de geração de riqueza, emprego e renda, com níveis de exclusão social vergonhosos e finanças públicas estaduais muito comprometidas, os avanços do tráfico e consumo de drogas foram apenas estopins suficientes para tornar Alagoas o estado mais violento do país e a sua capital entre as dez do mundo, quando se observa as taxas de homicídios por 100 mil habitantes. Além do mais, a violência, junto com outros aspectos, certamente já influencia, diretamente, nas escolhas empresariais quando o assunto é Alagoas como destino de novos investimentos e ampliação daqueles já instalados.  

Por essas razões, e considerando a limitada competência na gestão da política de segurança pública, esse problema não poderá ser resolvido somente com terapias convencionais, como mais equipamentos, armas, efetivo e dinheiro para a área de segurança pública, apesar da importância fundamental desses aspectos. Se o problema é estrutural, teremos que resolvê-lo ou amenizá-lo, gradualmente, atacando suas raízes, além da devida atenção que deve ser dispensada aos servidores públicos que compõem as estruturas policiais no estado.

Com educação de qualidade e infraestrutura adequada das escolas estaduais, uma rede de seguridade social abrangente e eficiente, uma política industrial consistente e articulada com os movimentos recentes da economia nordestina e uma política agrícola e fundiária séria, pode-se reduzir a pobreza vista como a escassez de oportunidades sociais e contribuir, fortemente, para tirar o estado do quadro de baixo dinamismo econômico. 

*Fábio Guedes

Doutor em Administração com ênfase em Instituições e Políticas Públicas (NPGA/UFBA). Mestre em Economia Regional e graduado em Ciências Econômicas (UFPB). Professor da Graduação e Pós-Graduação em Economia da FEAC/UFAL. Tutor do Programa de Educação Tutorial em Economia [FEAC/UFAL]. Membro do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento [Rio de Janeiro].
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