Por Imprensa (segunda-feira, 24/10/2016)
Atualizado em 24 de outubro de 2016
* por Helio Gurovitz
Em protestos separados ontem na avenida Paulista, em São Paulo, dois grupos antagônicos – um antipetista, o outro antigoverno – se uniam numa única reivindicação: a saída do presidente do Senado, Renan Calheiros. No protesto antipetista, ele era representado por um boneco semelhante ao boneco que retrata o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como presidiário, o “Pixuleko”. O boneco de Renan foi apelidado “Canalheiros” (foto).
A insólita unanimidade dos manifestantes em torno da figura de Renan se dá num momento em que se agravam as denúncias contra ele. Na delação premiada que veio à tona no início do ano, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado disse ter repassado R$ 32 milhões em propinas a Renan. Na semana passada, revelou a revista Época, o operador Felipe Parente, que trabalhava para Machado, corroborou a história ao afirmar ter entregado R$ 5,5 milhões em dinheiro vivo a Renan e ao peemedebista Jáder Barbalho, de propinas das empreiteiras UTC, Queiroz Galvão e da canadense Teekay Norway, do setor de navios.
Ao mesmo tempo, uma operação da Polícia Federal prendeu, sob a acusação de comandar varreduras ilegais contra grampos em imóveis de senadores acusados na Operação Lava Jato, o diretor da Polícia Legislativa do Senado, Pedro Araújo de Carvalho, no cargo há 11 anos e conhecido pela lealdade a Renan. Embora Renan não esteja entre os senadores beneficiados pela atuação dos policiais legislativos, ninguém em Brasília tem dúvida de que Carvalho jamais agiria sem sua anuência.
São frequentes as críticas de Renan às ações da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da Procuradoria-Geral da República (PGR) – para não falar na Justiça Federal de Curitiba. São comuns também ataques ao “arbítrio” da Lava Jato e ao que políticos como ele têm chamado de “estado policialesco”. Depois da prisão dos policias legislativos, Renan voltou a agir para incluir na pauta do Congresso um projeto, visto como uma tentativa de intimidar a Lava Jato, que pretende coibir “abusos de autoridade”.
As delações de Machado e Parente põem Renan no centro das apurações da Lava Jato em Brasília. Depois da prisão do ex-deputado Eduardo Cunha, ele se tornou o alvo mais graduado e preferencial da operação, como sabem até os manifestantes que criaram o boneco “Canalheiros”. Ao longo de sua carreira, Renan sobreviveu a vários escândalos. Sobreviverá a mais este?
O principal fator que lhe favorece é sua incrível habilidade política, várias ordens de grandeza superior à de Cunha. Renan tem uma capacidade ímpar de entender para onde os ventos sopram e de se tornar sócio de grupos vencedores. Depois de apoiar a eleição de Fernando Collor, tornou-se um dos artífices do impeachment dele. Foi ministro de Fernando Henrique Cardoso, presidente do Senado no governo Lula e equilibrou-se entre o apoio e as críticas a Dilma até o instante final, quando votou pelo impeachment dela e urdiu a inesperada saída de lhe preservar os direitos políticos.
Seus instintos lhe serviram acima de tudo para evitar que prosperassem dezenas de denúncias que poderiam derrubá-lo. Há quatro anos o Supremo Tribunal Eleitoral (STF) enrola para decidir se o transforma em réu no processo em que é acusado de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso para justificar o pagamento de pensão a uma filha fora do casamento, com dinheiro recebido da empreiteira Mendes Junior. Boa parte das acusações, diz a PGR, já prescreveram.
Em julho, o ministro Teori Zavascki mandou arquivar um dos nove inquéritos derivados da Lava Jato que tramitam contra Renan no STF. Ele era acusado de receber propinas por ter intermediado um acordo entre a Petrobras e a categoria dos práticos dos portos, mas a PGR não encontrou provas de sua atuação.
Renan já enfrentou denúncias relativas à compra de rádios em nome de laranjas, à farra das passagens no Senado, ao uso de avião da FAB para fins particulares, além de ter sido um dos personagens centrais no caso dos atos secretos do Senado, a criação de cargos e nomeações ocultas que favoreceram aliados (ele foi autor de 260 dos 663 atos que vieram à tona em 2009).
Diante de todos os escândalos, a estratégia de Renan sempre foi a mesma: trabalhar, quando possível, para que outros nomes arcassem com o ônus ou, quando não, apenas para que as manchetes se esquecessem dele. Tal estratégia sempre funcionou. Em matéria de ação nos bastidores, nenhum político de Brasília se compara a Renan. Sua resistência às denúncias, dos tempos de Alagoas à Lava Jato, é a maior prova disso.
Ao contrário de Cunha, Renan se tornou, graças à articulação política hábil ao longo do período que antecedeu o impeachment, uma peça decisiva para o governo do presidente Michel Temer – e conseguiu manter aberto um canal de comunicação com Lula e os petistas. Da PEC-241 à Reforma da Previdência, todos os projetos do governo dependem de sua boa vontade para tramitação.
É nesse poder, acima de tudo, que ele aposta para sobreviver à atual saraivada de denúncias. Trabalha também para aprovar qualquer lei capaz de manietar a Lava Jato e as instituições independentes que continuam a investigar com diligência nossos políticos, sob o pretexto de deter o tal “estado policialesco”, Claro que, num país em que tantos inquéritos ficam parados e apenas recentemente políticos começaram a ir para trás das grades, o verdadeiro problema não é esse, mas sim o “estado bandidesco”.
38 comentários
veja todos os posts
Autores
* Helio Gurovitz é formado em Jornalismo e Ciência da Computação pela Universidade de S.Paulo, com pós-graduação em Hipermídia pela Universidade de Westminster, em Londres.