Por Imprensa (quinta-feira, 25/11/2010)
Atualizado em 25 de novembro de 2010
João mousinho – joao_mousinho@hotmail.com
O Fórum em Defesa do SUS e Contra a Privatização tem suas origens no ano de 2008, quando ainda era denominado Fórum Permanente Contra as Fundações Estatais de Direito Privado, em Defesa do Servidor Público e dos Direitos Sociais. Tudo começou quando o Grupo de Pesquisa e Extensão Políticas Públicas, Controle Social e Movimentos Sociais, da Faculdade de Serviço Social, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), promoveu o Seminário “A Relação Pública e Privada no Estado Neoliberal: Fundações Estatais de Direito Privado”, frente ao anúncio do governo estadual, na imprensa, de transformar os hospitais de referência em Fundação Estatal de Direito Privado.
Em 24 de outubro de 2008, nasceu o Fórum em Defesa do SUS e Contra a Privatização. Desde então, funcionando com caráter de movimento social, vêm realizando reuniões sistemáticas, atos públicos, manifestações populares, além de participar e promover debates e seminários. A entidade firma, então, uma luta diária pela defesa da saúde pública e contra qualquer forma de terceirização e privatização dos serviços públicos.
Veja a entrevista com a professora Doutora Maria Valéria Correia uma das lideranças do Fórum em Defesa do SUS e contra a Privatização em Alagoas:
Quais foram às maiores lutas do Fórum em Defesa do SUS e Contra a Privatização?
MV- A luta pela criação de serviço de cirurgia cardíaca pediátrica de referência para o estado de Alagoas visto que, em 2008, dos 14 recém-nascidos cardiopatas com indicação cirúrgica que procuraram a rede pública, 08 foram a óbito, além de está prevista no Plano Estadual de Saúde (PES) a alocação de R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) para a implantação de tal serviço.
O Fórum exigiu do Ministério Público Estadual e do Conselho Estadual de Saúde de Alagoas (CES/AL) a fiscalização da alocação destes recursos diante da anunciada intenção da gestão estadual em criar tal serviço na Santa Casa de Misericórdia de Maceió, disponibilizando para o SUS apenas um leito de UTI, inicialmente.
A exigência de um serviço de referência para cirurgias cardíacas pediátricas em recém-nascidos no estado de Alagoas seja criado em unidade de saúde pública, para que o preconizado legalmente seja obedecido: investimento de recursos públicos prioritariamente na rede pública, sendo a rede filantrópica e privada apenas complementar. Reiteramos o posicionamento deste Fórum contra a alocação prioritária destes recursos na rede filantrópica ou privada, a qual vai de encontro aos preceitos legais do SUS.
Quais foram as cobranças para ampliação da rede pública de serviços de saúde no Estado?
MV- O Fórum exigiu e lutou que os projetos de melhoramento e ampliação da rede pública estadual que estão engavetados, desde 2004, fossem executados. Foi entregue documento à gestão estadual, em maio de 2009, durante a reunião do Conselho Estadual de Saúde, que cobra a execução dos projetos de ampliação, equipamento e qualificação de Recursos Humanos das unidades públicas que prestam serviços de referência estadual, Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes e Maternidade Escola Santa Mônica, os quais foram enviados à SESAU a partir de 2004: Projeto de Compra de Equipamentos para da Santa Mônica (2004); Projeto de Reforma da UTI/UCI Neonatal (2006); Projeto de Desapropriação de dois Imóveis para a Ampliação da Maternidade Escola Santa Mônica (2006); Reforma e Ampliação dos Leitos de UTI E UCI Neonatal dos Hospitais do Estado de Alagoas (2008), entre outros. Além da luta pela reabertura dos 96 leitos e 5 salas de cirurgia desativadas no HU.
Como são encampadas as manifestação contra a privatização?
MV- O Combate contra as Fundações, OSCIPS, OSS e qualquer forma de terceirização da gestão e privatização do SUS, são feitos através de manifestações nas ruas, ato público, Audiência Pública na Assembleia Legislativa/AL, Reunião com deputados estaduais e entrega de abaixo-assinado e documento solicitando que votem contrários ao Projeto de Lei que “Dispõe sobre o Programa Estadual de Organizações Sociais”, entrega (protocolada) ao governador documento solicitando a retirada de tal Projeto de Lei, Caravana Popular do SUS, Manifestação “o SUS no varal”, no centro da cidade, Ato $U$to no calçadão etc. Além da entrega de documento entregue ao MPF (Procurador José Godoy) cobrando investigação do contrato do município de Santana do Ipanema com o Instituto Pernambucano de Assistência à Saúde (Ipas) para gerir o Hospital Geral Clodolfo Rodrigues de Melo, visto que esse Instituto já está sendo alvo de inquérito civil pelo MP do Rio de Grande do Norte, por suspeitas de fraude.
Existe uma tentativa real de privatização da saúde em Alagoas?
MV- Em Alagoas foi enviada a Assembleia Legislativa, em 9 de dezembro de 2009, o Projeto de Lei que “Dispõe sobre o Programa Estadual de Organizações Sociais”, o qual visa “outorgar a uma entidade privada, sem fins lucrativos, a gestão das atividades e serviços de interesse público atinentes ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e institucional, à proteção e preservação do meio ambiente, bem como à saúde, ao trabalho, à ação social, à cultura e ao desporto e à agropecuária […].” Este projeto propõe o repasse da gerência e da gestão de serviços e de pessoal do setor público para grupos privados, através de “Contratos de Gestão”, mediante transferências de recursos públicos. São áreas decisivas de lutas sociais cotidianas pela efetivação desses direitos duramente conquistados na forma da lei. Setores através dos quais o Estado viabiliza (ou inviabiliza) os direitos sociais garantidos legalmente, portanto, a privatização dos mesmos constitui-se uma grande ameaça à garantia destes direitos.
Este Projeto não se constitui em uma surpresa em Alagoas, pois desde o segundo semestre de 2008 que o governo do Estado vem anunciando na imprensa sua intenção de criar formas de terceirizar os serviços públicos através de Organizações Sociais ou de Fundações Estatais de Direito Privado. O seu alvo principal é a área da saúde, copiando o modelo de São Paulo.
Em Santana do Ipanema, já existe uma Lei Municipal que cria as OSs, estamos entrando com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
Quem estaria tentando promover essas ações? Com quais interesses?
MV- Na área da saúde circula um grande volume de recursos e o setor privado tem muito interesse em administrá-los. Trata-se da tendência em curso do fundo público ser colocado a serviço do financiamento da reprodução do capital. Não satisfeito apenas com o mercado privado da saúde, o setor privado busca, por dentro do Estado, se apropriar dos recursos disponibilizados para efetivar a política pública da saúde. Qual seria o interesse de um grupo privado em assumir a gestão de um serviço social público que não seja o interesse econômico?
Qual a lógica que rege o setor privado que não seja a lógica do mercado e a busca incessante do lucro?
MV- As Organizações Sociais (OSs) integraram a proposta de contrarreforma do Estado brasileiro para fortalecer o setor privado na oferta de bens e serviços coletivos, em que as funções do Estado passariam a ser de coordenar e financiar as políticas públicas e não de executá-las. Processo denominado, no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado do Governo de FHC, de “publicização” que é o repasse de tarefas antes do Estado para “entidades de direito privado” executá-las mediante o repasse de recursos públicos. A isto se denomina privatização do público, ou seja, apropriação por um grupo privado (denominado “não estatal”) do que é público. As OSs foram criadas pela Lei Federal 9.637, em 1998, dentro do conjunto de medidas para viabilizar a referida contrarreforma. Constitui-se em mais uma forma de redução do Estado para a reprodução do trabalho e de apropriação do fundo público pelo capital. Neste sentido, o Estado torna-se, cada vez mais, mínimo para atender aos interesses das classes subalternas e máximo para a classe dominante, para o mercado, para o setor privado, para o capital.
Quais os prejuízos da privatização para o Estado?
MV- Esses modelos de gestão têm trazido prejuízos à sociedade, aos trabalhadores e ao erário. São inúmeros os prejuízos, basta ver o que está acontecendo onde os modelos de Organizações Sociais já foram implantados. Em todos os estados e municípios existem denúncias de desvios de recursos públicos sendo investigadas pelo MPE e MPF. Na Bahia, em 2009, esses Ministérios denunciaram irregularidades no contrato firmado entre a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador e a Real Sociedade Espanhola de Beneficência. Constatou-se um prejuízo estimado em 40 milhões para os cofres públicos. Na cidade de São Paulo mais irregularidades foram constatadas. Em abril deste ano, um grupo de vereadores visitou o hospital municipal São Luiz Gonzaga, no Jaçanã, e descobriu que a OS Irmandade da Santa Casa de São Paulo não realizava ultrassons e raios-X no hospital, apesar de receber R$ 1 milhão por ano para este fim. O fim da licitação previsto neste modelo abre precedentes para o desvio de recursos.
O formato de gestão via OSs não prevê contratação via concurso público, dispensa o processo de licitação para a compra de equipamentos e insumos, prejudica o atendimento aos usuários e não garante participação social na fiscalização dos recursos. A contratação sem concurso só vai favorecer o fortalecimento de currais eleitorais e agride o ingresso de trabalhadores da saúde de forma transparente, além de não assegurar direitos trabalhistas e previdenciários, o que resulta na precarização do trabalho.
Além disto, as Organizações Sociais trabalham com metas. Se houver uma demanda maior do que a estabelecida, as necessidades da população serão negadas porque estarão fora das metas contratualizadas. Para as entidades privadas, os recursos financeiros estão acima das necessidades da população.
Os Conselhos e os órgãos fiscalizadores da saúde no Estado?
MV- A Organização Social anula a atuação dos Conselhos de Saúde e o controle social, criando um conselho administrativo próprio. Não contempla os controles próprios do regular funcionamento da coisa pública e não se prevê sequer o Controle Social; desconsidera a deliberação do Conselho Nacional de Saúde nº 001, de 10 de março de 2005, contrária “à terceirização da gerência e da gestão de serviços e de pessoal do setor saúde, assim como, da administração gerenciada de ações e serviços, a exemplo das Organizações Sociais (OS) […]”. Também desconsidera a Resolução do Conselho Estadual de Saúde de Alagoas nº 016/2009, de 20 de maio de 2009, que expressa posição contrária à “terceirização da Gerência e da Gestão de Serviços de Saúde, assim como da administração gerenciada de ações e serviços, a exemplo das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), das Organizações Sociais de Saúde (OSS), das Fundações Estatais de Direito Privado ou de outros mecanismos e/ou iniciativas com objetivos idênticos que atentem contra a Constituição Federal, Artigo 196 que estabelece que a saúde ‘é direito de todos e dever do Estado’, como contra os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS”.
Quais serão as próximas atividades de mobilização do Fórum?
MV- Sensibilizar o SFT para que seja contrário à Lei que cria as OSs já está previsto para este semestre, no Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.923/98, contra a Lei 9.637/98 que cria as Organizações Sociais. Caso esta Lei seja considerada inconstitucional pelo STF, põem-se fim às Organizações Sociais nos Estados em que elas já são desenvolvidas, como São Paulo, Minas Gerais e Bahia.
Os Fóruns em Defesa do SUS de Alagoas, Rio de Janeiro, Paraná, São Paulo, Londrina e mais de 298 entidades e Movimentos Sociais de todo o Brasil estão compondo uma Frente Nacional contra as Organizações Sociais: pela procedência da ADIN 1.923/98. No último dia 22 de outubro, esta Frente se reuniu, em Brasília, com o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto. O objetivo foi de sensibilizar o ministro para julgar procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade que derruba a Lei 9.637/1998, que cria as OS. A Frente entregou uma série de documentos ao Ministro para subsidiá-lo na hora do voto: a Carta Aberta aos Ministros do STF (assinatura de 298 entidades do Brasil), o “Relatório Analítico de Prejuízos à Sociedade, aos Trabalhadores e ao Erário por parte das OS – Contra Fatos não há argumentos que sustentem as Organizações Sociais no Brasil”, que comprova, por meio de reportagens publicadas em diversos veículos de comunicação, os inúmeros danos causados ao Serviço Público, especialmente à Saúde Pública, pelo modelo privatista das Organizações Sociais.
Vamos dar continuidade às mobilizações contra o Projeto de Lei que “Dispõe sobre o Programa Estadual de Organizações Sociais”, junto à Assembléia Legislativa e ao Governo do Estado.
Em Santana do Ipanema, vamos entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a Lei Municipal que cria as OSs.
A mobilização do Fórum passa atingir, depois desses 2 anos, uma nova classe, além dos universitários?
MV- Sim. As resistências ao processo de privatização do SUS estão se constituindo. Esta é uma luta decisiva para que o SUS não seja desconstruído e destruído.
Quem faz o Fórum?
MV- Os movimentos sociais, sindicatos, trabalhadores, conselheiros e usuários das diversas políticas sociais e estudantes. As entidades listadas abaixo assinaram o documento protocolado ao governador solicitando a retirada do Projeto de Lei que cria as OSs em Alagoas.