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Artigo: Auxílio emergencial versus auxílio permanente à burguesia

Por Imprensa (quinta-feira, 11/03/2021)
Atualizado em 11 de março de 2021

*José Menezes Gomes

O ano de 2020 foi marcado pela ocorrência da pandemia e pela tomada de empréstimos de US$ 18 trilhões para combater os efeitos da pandemia pelos países ricos, segundo o jornal Valor Econômico¹ de em 25.01.21. Segundo dados da OCDE esse montante tomado emprestado junto ao setor privado em 2020 representa um crescimento de 60% em relação a 2019. Tal fato implica que o endividamento público continuará crescendo para enfrentar o déficit fiscal crescente e a contração das economias causadas pela pandemia de COVID -19. Em seguida, o que veremos é que para pagar essa dívida esses governos manterão a lógica de um novo ajuste fiscal (corte nas despesas sociais) para pagar as dívidas anteriores e às novas.

É bom lembrar que os estados nacionais (não somente os estados ricos) já tinham contraído uma dívida pública gigantesca para tentar contornar os efeitos da crise capitalista de 2008. Segundo Marques e Nakatani (2013, p 4) todos os países do mundo tinham uma dívida pública de US$ 22,165 trilhões em 2005 e chegou em 2011 com um volume de US$ 41, 059 trilhões ². Com a vinda da intervenção para tentar conter os efeitos da crise os estados nacionais criaram uma dívida de quase US$ 19 trilhões para tentar conter as perdas no mercado de capitais do mundo de US$ 30 trilhões em 2008.

No primeiro momento, imagina-se que seria algo que beneficiaria a toda a população. Todavia, quando retiramos o auxílio emergencial em cada país uma grande parte irá para dar suporte às grandes empresas e bancos, que já estavam sentindo os efeitos da crise vinda da crise capitalista de 2008. Essa tentativa de conter os efeitos da pandemia acaba sempre revelando o caráter de classe do Estado e o destino da maioria do dinheiro público para os agentes privados.

É bom lembrar que a dramaticidade vinda da pandemia não resulta somente dos vários governos negacionistas que não deram a atenção devida no enfrentamento à pandemia, mas especialmente pelo desmantelamento dos direitos sociais e privatização dos serviços, ocorridos em todos os países, especialmente nos países que tinham vivenciados o Estado de bem-estar social. Em outras palavras, o desmonte dos serviços públicos impulsionado por décadas de neoliberalismo e de seguidos ajustes fiscais, acabou sendo o grande facilitador para a COVID 19 ter chegado a dois milhões e meio de mortes pelo mundo. Temos que lembrar que o desmonte e privatização dos serviços ocorreram para que esses estados pudessem priorizar o pagamento de suas dívidas públicas. Quanto mais pagavam as dívidas mais a dívidas subiram e cada vez mais se exigiu um novo ajuste fiscal e nova etapa de privatização do que ainda resta de estatais.

Entretanto, nessa grande tomada de empréstimos pelos estados o que temos é o setor financeiro privado liberando um volume de empréstimos gigantesco para esses estados combaterem os efeitos da pandemia, salvando os grandes grupos empresariais em cada país, em especial. Esse volume de dinheiro que os estados ricos estão tomando representa um grande negócio para esses bancos ou possuidores de títulos públicos, já que em seguida esses bancos se credenciam a ficar com parte dos impostos pagos pelos contribuintes de cada país através dos serviços dessas dívidas. Esse volume de recursos não está sendo direcionado ao fortalecimento dos serviços públicos em cada país com concursos públicos, restabelecimento das carreiras e reestatização dos serviços públicos. Ao contrário, o que vimos é o processo de aprofundamento da privatização dos serviços públicos que ainda restaram para continuarem o pagamento das dívidas. A política de ajuste fiscal não é nada novo na economia brasileira. Logo após a introdução dos vários planos de estabilização (Plano Cruzado (fevereiro 1986), Plano Bresser (Abril de 1987), Plano Verão, Plano Collor, Plano Collor II), que antecederam o Plano Real, o ajuste fiscal já estava presente. Todavia, com a introdução do Plano Real tivemos o Fundo de Estabilização Fiscal, que na essência era um fundo para conter os gastos sociais e assegurar o pagamento da dívida pública que se agravou com a política de juros altos para assegurar a estabilidade monetária.

Dentro disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) tinha como objetivo impor controle sobre os gastos da União, Estados, Distrito Federal e municípios, oferecendo a ideia da transparência dos gastos. Entretanto, o limite dos gastos sociais se impôs sem nenhum limite para os gastos financeiros com o serviço da dívida nas três esferas do setor público. Curiosamente a LRF surge logo após o governo federal ter lançado o PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) que salvou bancos privados e o PROES (Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária) que preparou os bancos estaduais para serem privatizados.

A permanente transferência do dinheiro público para os grandes capitalistas teve um grande passo com a Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos sociais por 20 anos. Com isso se reafirma a prioridade do dinheiro público para com o serviço da dívida pública que assegura aos banqueiros grandes rendimentos, por serem os principais compradores dos títulos públicos. O desmonte dos serviços públicos é parte de uma política mundial proposta pelo Banco Mundial que tem facilitado o agravamento do quadro de barbárie social.

Ao mesmo tempo, o mesmo Estado que propõe o extermínio dos servidores públicos nas três esferas, têm liberado 80% de recursos do BNDES para o setor privado privatizar as estatais que restaram. Mais grave que isso tivemos a independência do Banco Central que deu aos bancos o controle da política monetária. Antes disso já tínhamos uma Lei que permitia à União comprar títulos podres dos bancos no valor de até R$ 1 trilhão, colocando os banqueiros acima de tudo. Neste momento, temos duas iniciativas combinadas para tentar acabar com o serviço público. A primeira é a PEC 186 que tem o nome de Auxilio Emergencial mas que na essência é a PEC da chantagem pois pretende constitucionalizar o ajuste fiscal ou corte das despesas sociais. É bom lembrar que essa PEC retira a obrigatoriedade do repasse da União aos Estados referente a perdas vindas da Lei Kandir. A segunda é a PEC 32 que pretende impulsionar a Contra a reforma administrativa com um tiro final para a destruição do Estado, num momento em que ficou claro que os servidores públicos estão salvando vidas nos vários momentos de atuação. Dessa forma temos a afirmação acelerada do Estado gestor da barbárie, enquanto parte da esquerda se afasta do tema da dívida pública, tentando ser simpático ao sistema dívida para ter um pouco mais de voto na próxima eleição. Fortalecer o movimento da auditoria cidadã no brasil e se articular com demais experiências de auditoria em outros países é tarefa fundamental para a defesa dos direitos sociais.

¹ Ver em https://valor.globo.com/
² Ver https://periodicos.ufba.br/

Coordenador do Grupo Alagoas da Auditoria Cidadã da Dívida e professor de Economia da Ufal

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