Por Imprensa (sexta-feira, 18/05/2018)
Atualizado em 18 de maio de 2018
O policial civil Ascânio Correia publicou um texto nas redes sociais, parabenizando o seu companheiro de trabalho Cícero Marinho de Souza, que se aposentou depois 33 anos dedicados a polícia. “Com muito orgulho fizemos nossa última missão conjunta e logo após fiz sua escolta na viagem de retorno, as curvas da estrada que faziam diminuir a velocidade do veículo me ajudavam a recordar as inúmeras missões que fizemos juntos”, escreveu.
Em suas palavras, Ascânio assume o desespero em não poder mais ter o companheiro de trabalho no dia a dia. “Resmungava eu entre os dentes, pois como eu iria agora sair sem o meu companheiro de muitas investigações na cidade de Pilar? Porque sair em missão policial com a tranquilidade com que eu saia com ele, iria ser difícil agora, a disposição e a tranquilidade de um bom parceiro está há muito tempo em falta no mercado e não vislumbrei uma substituição adequada”, elogia.
E enfatiza a experiência do policial civil nas diligências policiais: “A minha constante ansiedade em fazer as coisas do meu jeito era temperada pela sua experiência que me segurava sempre com firmeza. Ele quase sempre ganhava ao tentar me convencer, e quando eu não o ouvia, o risco de dar errado aumentava muito”.
Vale a pena ver o texto “A Última Missão”:
A ÚLTIMA MISSÃO
A notícia chegou de forma inesperada na delegacia hoje pela manhã, estávamos nos preparando para sairmos pra rua em busca de informações importantes para fecharmos alguns inquéritos não conclusos quando o chefe gritou:
– MARINHO sua aposentadoria saiu! Você vai pra casa, mas não antes de pagar o almoço para todos, vamos comemorar!
Olhei para ele que ficou sem acreditar e sem saber o que dizer no momento, meio assustado, parece que não queria acreditar naquilo que ouvia. Arregalou os olhos e ficou pensando o que faria como se quisesse sorrir e chorar ao mesmo tempo, pois precisava reagir às palavras do chefe. Conferiu seu nome no diário CICERO MARINHO DE SOUZA. Olhou para a paisagem em frente à Delegacia onde no fundo se avistava a imensidão da Lagoa Mundaú e dizia baixinho com um sorriso no canto da boca:
– Vou para casa, vou almoçar com minha mulher.
De olhos arregalados permanecia ele, enquanto eu ao seu lado não recebi bem a notícia. Não escondi que fiquei com raiva não querendo entender a situação e querendo impedir o fato publicado no diário oficial, já comecei a calcular que teria que me acostumar com a situação.
– Perdi meu bom parceiro e agora!!!
Resmungava eu entre os dentes, pois como eu iria agora sair sem o meu companheiro de muitas investigações na cidade de Pilar? Porque sair em missão policial com a tranquilidade com que eu saia com ele, iria ser difícil agora, a disposição e a tranquilidade de um bom parceiro está há muito tempo em falta no mercado e não vislumbrei uma substituição adequada.
Foram inúmeras vezes em que fui alertado por ele para a não realização de uma ação policial ou a efetivação da ação de outra forma ou em outro horário e local. A minha constante ansiedade em fazer as coisas do meu jeito era temperada pela sua experiência que me segurava sempre com firmeza. Ele quase sempre ganhava ao tentar me convencer, e quando eu não o ouvia, o risco de dar errado aumentava muito.
Eu continuava a pensar no seu jeito meio calado e discreto de fazer as coisas, fazia parte da profissão adquirida com o tempo. A sobriedade era regra em todos os seus momentos, muito embora sua conversa sobre as coisas da vida o fazia ser bastante descontraído nas nossas viagens diárias.
Nesta mesma manhã de hoje tive logo que olhar sua aposentadoria de outra forma, não tinha jeito, afinal ele estava virando uma página de 33 anos de sua vida dedicados ao trabalho de investigador na Polícia Civil e agora estava começando um descanso merecido ao lado de sua esposa e filho.
Toda a nossa rotina policial na delegacia teria que ser mudada. As investigações teriam que esperar, poderíamos trabalhar até o fim do dia, mas esse dia era marcante em uma carreira policial e não merecia terminar como outro dia qualquer, além do mais o sol forte, a brisa fresca da lagoa e o céu azul pediam uma mudança na rotina. Apressamos tudo o que tínhamos que fazer e partimos de Pilar perto do meio dia em nossa ÚLTIMA MISSÃO e ao meu lado na viatura policial ele dizia:
– Amanhã entrego minha arma e colete balístico, não quero mais problema!
Essa sua última frase e sua companhia nestes anos me fizeram entender que meu parceiro fez do seu trabalho fonte de vida e alegria e não vivia em estado de queixa. Conciliou trabalho e emprego e não deixou para a aposentadoria algumas de suas paixões inadiáveis: entre outras, assistir o CSA no Rei Pelé, bater bola aos sábados com a turma no clube do sindicato e logo após tomar umas geladas. No campo da ética profissional, sem fazer nenhuma teorização sobre o assunto nunca o vi desrespeitando ou agredindo nenhum preso, por mais perigoso ou pobre que fosse ou mesmo que a situação permitisse meu parceiro sabia se colocar de forma precisa. Mesmo sem ter lido essa frase de Nietsche: “Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. Se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você ‘’conseguiu passar ao lado de algumas hienas do meio policial que promovem o ódio, o medo e a banalização da violência. Sua carreira merecia ter terminado a semana passada quando em uma operação com outros companheiros efetuamos a prisão de duas quadrilhas que aterrorizavam a cidade. Não precisava ter recebido nenhum elogio, mas chegar em casa as 02h:00 após 17 horas ininterruptas de trabalho merecia uma boa folga emendada na aposentadoria
Com muito orgulho fizemos nossa última missão conjunta e logo após fiz sua escolta na viagem de retorno, as curvas da estrada que faziam diminuir a velocidade do veículo me ajudavam a recordar as inúmeras missões que fizemos juntos. O esclarecimento de alguns crimes, o socorro às vítimas, a identificação de endereços e prisões foram inúmeras, mas a hora tinha chegado. Deixei meu parceiro na porta de sua casa, lhe agradeci e tive a certeza que a missão foi cumprida.
Ascânio Correia é Agente de Polícia na cidade de Pilar